Entrevista com Dom João de
Aviz: Expectativas para o Ano da Vida Consagrada
Rosinha Martins (18.11.14)
Por ocasião do encontro com o prefeito da
Congregação para os Institutos de Vida Consagrada e as Sociedades de Vida
Apostólica,do Vaticano, dom João, Cardeal de Aviz, que reuniu em Curitiba, PR,
em agosto último passado, cerca de 1.200 religiosas e religiosos, o cardeal, em
entrevista exclusiva à Assessoria de Comunicação da CRB Nacional falou sobre
suas expectativas em relação ao Ano da Vida Consagrada. O Cardeal versou,
ainda, sobre temas como: o lugar das mulheres na Igreja, as relações
entre Vida Consagrada e Clero Diocesano, e novos documentos alusivos aos bens
dos Institutos e a vocação dos Irmãos.
Quais as expectativas para o Ano da Vida
Consagrada?
Dom João - Para o Ano da Vida Consagrada, unamo-nos a tudo
que será celebrado no mundo nestas três perspectivas: para o
passado, uma memória grata; para o futuro, a confiança na fidelidade de
Deus; para o presente, uma entrega apaixonada à nossa vocação. São três
perspectivas amplas que inspiram para um caminho positivo. Não devemos nos
desinstabilizar pelas dificuldades do momento presente, pois algumas das nossas
Congregações já começam a sentir o problema das vocações e do envelhecimento. É
Deus quem cuida do Carisma. Cabe a nós verificar se estamos dando o testemunho
correto. Acho que é por aqui que temos de ir, e caminhar na direção de uma vida
trinitária, uma vida de relações renovadas.
E qual seria o caminho, como incentivar isto? Que
atividades para o Ano da Vida Consagrada podem ajudar a criar esta consciência?
Dom João - O incentivo vem através de tudo o que a
Congregação de Roma está orientando, por meio das nossas Conferências
Religiosas, como a do Brasil (que está caminhando muito bem), mas,
ressaltar essas linhas, como a trinitária, que ainda temos de compreender
melhor e, sobretudo, experimentar melhor. Os meios são os nossos encontros, e
tentar viver isso dentro das nossas comunidades, sem nos afastar dos nossos
carismas, que são estradas normais pelas quais nós passamos. Outras estradas
comuns são o seguimento de Jesus e a escuta do momento atual.
Foi lançado recentemente um documento sobre a
gestão dos bens dos Institutos de Vida Consagrada e das Sociedades de Vida
Apostólica. Qual a razão de um documento com este tema?
Dom João - Este documento, que não será definitivo, mas
provisório, surge para que todos os religiosos possam dar suas
contribuições, as quais ainda serão recolhidas, pois, para o Papa, é
importante que enriqueçamos o documento com aquilo que as pessoas já
experimentam. Essa preocupação nasceu do fato de que muitas Congregações estão
diminuindo, ou, digamos, com um número pequeno de pessoas e muitos bens, e elas
precisam organizar tudo isso. Obras que foram construídas há séculos ficam
perdidas, deixamos escapar, porque não cuidamos. Então, o Papa quis fazer um
simpósio para aproximadamente 600 pessoas. Esse número ultrapassou, e muitas
pessoas estão na fila de espera para um novo simpósio.
O documento está sendo elaborado (estou fazendo a
tradução em português) e irá para as comunidades para leitura e apreciação. A
partir daí, definiremos algumas linhas que queremos seguir para resolver este
problema, mas em conjunto, não cada um por conta própria.
Que dicas o senhor dá para se celebrar o Ano da
Vida Consagrada no Brasil, um país com uma cultura e jeito próprios de
ser?
Dom João - Partindo destas coisas essenciais: seguimento de
Jesus, volta aos fundadores, inserção na cultura e na Igreja local e pôr em
evidência toda a beleza desta Vida Consagrada como ela é vivida aqui, no âmbito
da formação, das obras, da missão. Mas isso depende um pouco do local. O Brasil
tem muitas condições, porque a Vida Consagrada está bem organizada, mas que não
seja fruto simplesmente de uma organização, e sim também de experiências
vividas. Acho que o encontro de Curitiba trouxe muito isso: refletimos e contamos
aquilo que é vivido.
Sobre a questão da Profecia da Vida Consagrada, há
quem diga que a Vida Religiosa deva ser mais profética em tempos atuais, o
senhor concorda?
Dom João - O Papa fala sobre isso, diz que a Vida Consagrada
tem de ser profética, e quando ele fala de profecia quer dizer anunciar o Reino
de Deus e experimentá-lo; anunciar os valores do Reino, os valores futuros que
esse Reino traz. Esta é a profecia e nela todas as realidades que precisam ser
transformadas. Neste sentido o Brasil pode fazer muito.
Há temas referentes à Vida Consagrada que serão
mais evidenciados no Ano da Vida Consagrada?
Dom João - Vamos acentuar a juventude, os formadores, o
ecumenismo. No Simpósio final queremos ter presentes todas as vocações, com
momentos comuns e outros distintos para usufruir bem desse momento final do Ano
da Vida Consagrada.
A Congregação para os Institutos de Vida Consagrada
e as Sociedades de Vida Apostólica têm dado muita atenção às mulheres. Que
lugar estas mulheres estão ocupando, de fato, na Cúria? Elas têm voz e vez?
Dom João - Creio que neste momento é preciso acelerar isso,
porque, se dependesse do Papa, as mulheres já estariam ocupando metade dos
lugares que elas precisam ocupar, seja na Cúria Romana, seja nos Dicastérios.
Temos de deixar essa mania de pensar que as mulheres estão um grau abaixo do
homem. Não tem sentido isso. Algumas coisas são específicas, mas estas nós
sabemos quais são. Então, é preciso levar para frente a Vida Consagrada
em conjunto, com a mesma dignidade, isso é fundamental. O Papa quer que esses
sinais venham logo; e não só: ele fala explicitamente que as mulheres têm de
ocupar cargos de decisão. Creio que nós não temos mais que ficar esperando,
temos que acelerar isso. Eu começo pela minha Congregação, mas as outras também
poderão fazer isso.
Poderia falar sobre o Documento que está sendo
elaborado sobre a vocação dos Irmãos?
Dom João - Em 2008, na Assembleia Geral da Congregação (que é
feita a cada 2 ou 3 anos, com participação de representantes religiosos em
nível mundial), da qual participava o então Cardeal Jorge Mario Bergoglio, foi
solicitado um documento para se aprofundar a vocação dos Irmãos. O documento
está pronto e foi elaborado com a colaboração direta dos Irmãos e aprovado pelo
Papa. O documento é sobretudo uma distinção, digamos assim, não olhar mais a
vocação do Irmão em relação ao sacerdócio, mas como vida consagrada, e olhar
muito mais a vida de fraternidade e de consagração.
Existe ainda, ao menos no Brasil, um certo entrave
na relação entre Vida Consagrada e o Clero Diocesano. Quais as suas
expectativas para o futuro dessas relações?
Dom João - Sobre este tema, falamos para o Santo Padre que
gostaríamos de partir da espiritualidade de comunhão e dos dois princípios
ou dimensões coessenciais da Igreja: a hierárquica e a carismática. Não
existe conflito entre estes dois princípios, porque o Espirito de Deus fala na
hierarquia e fala no Carisma. Ele (o Espírito) não se contradiz, quem se
contradiz somos nós, às vezes por falta de equilíbrio e de maturidade, que
herdamos também do passado. Esses dois mundos são feitos para se integrar, não
estão submissos um ao outro, mas submissos ao Espírito. Isso porque um
fundador/uma fundadora nunca pede licença ao bispo para começar um carisma.
Sente de Deus o chamado, começa e a uma certa altura, querendo saber se aquilo
é de Deus, confirma com a hierarquia. Se a hierarquia reconhece, ele/ela sabe
que é de Deus e continua seu caminho. Esse eqiulibrio é que precisa ser
resolvido, e será só se partirmos dessa coessencialidade. Quando partilhamos
isso com o Papa ele nos disse: “É isso que eu quero’. Creio que o documento
favorecerá muito a integração correta, objetiva. Sempre haverá problemas,
porque sempre do lado dos bispos e dos superiores há tradições, feridas, mas
temos de ir sempre caminhando para o rumo certo.
Que mensagem o senhor deixa para a Vida Consagrada
do Brasil?
Dom João - Teremos momentos ricos na Igreja, desde o início
do Ano da Vida Consagrada até o final. É bom que façamos parte de toda essa
programação, que participemos, entrando profundamente neste espírito. É
importante pensarmos juntos na mesma direção, nesse grande amor à Igreja,
porque somos nós, todos juntos, que vamos fazer a Igreja que Jesus quer. Deus
abençoe vocês!
Fonte: CRB Nacional
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