Carta
apostólica do Papa Francisco às pessoas consagradas para proclamação do Ano da
Vida Consagrada
Consagradas e
consagrados caríssimos!
Escrevo-vos como
Sucessor de Pedro, a quem o Senhor Jesus confiou a tarefa de confirmar na fé os
seus irmãos (cf. Lc 22,32), e escrevo-vos como vosso irmão, consagrado a Deus
como vós.
Juntos, damos
graças ao Pai, que nos chamou para seguir Jesus na plena adesão ao seu
Evangelho e no serviço da Igreja e derramou nos nossos corações o Espírito
Santo que nos dá alegria e nos faz dar testemunho ao mundo inteiro do seu amor
e da sua misericórdia.
Fazendo-me eco do
sentir de muitos de vós e da Congregação para os Institutos de Vida Consagrada
e as Sociedades de Vida Apostólica, por ocasião do quinquagésimo aniversário da
Constituição dogmática Lumen gentium sobre a Igreja, que no capítulo VI trata
dos religiosos, bem como do Decreto Perfectaecaritatis sobre a renovação da
vida religiosa, decidi proclamar um Ano da Vida Consagrada. Terá início no dia
30 do corrente mês de Novembro, I Domingo de Advento, e terminará com a festa
da Apresentação de Jesus no Templo a 2 de Fevereiro de 2016.
Depois de ter
ouvido a Congregação para os Institutos de Vida Consagrada e as Sociedades de
Vida Apostólica, indiquei como objetivos para este Ano os mesmos que São João
Paulo II propusera à Igreja no início do terceiro milénio, retomando, de certa
forma, aquilo que já havia indicado na Exortação pós-sinodal Vita consecrata:
«Vós não tendes apenas uma história gloriosa para recordar e narrar, mas uma
grande história a construir!Olhai para o futuro, para o qual vos projeta o
Espírito a fim de realizar convosco ainda coisas maiores» (n. 110).
– I –
Os
objetivos do Ano da Vida Consagrada
1. O primeiro
objetivo é olhar com gratidão o passado. Cada um dos nossos Institutos provém
duma rica história carismática. Nas suas origens, está presente a ação de Deus
que, no seu Espírito, chama algumas pessoas para seguirem de perto a Cristo,
traduzirem o Evangelho numa forma particular de vida, lerem com os olhos da fé
os sinais dos tempos, responderem criativamente às necessidades da Igreja.
Depois a experiência dos inícios cresceu e desenvolveu-se, tocando outros
membros em novos contextos geográficos e culturais, dando vida a modos novos de
implementar o carisma, a novas iniciativas e expressões de caridade apostólica.
É como a semente que se torna árvore alargando os seus ramos.
Neste Ano, será
oportuno que cada família carismática recorde os seus inícios e o seu
desenvolvimento histórico, para agradecer a Deus que deste modo ofereceu à
Igreja tantos dons que a tornam bela e habilitada para toda a boa obra (cf.
Lumen gentium, 12).
2. Além disso,
este Ano chama-nos a viver com paixão o presente. A lembrança agradecida do
passado impele-nos, numa escuta atenta daquilo que o Espírito diz hoje à
Igreja, a implementar de maneira cada vez mais profunda os aspectos constitutivos
da nossa vida consagrada.
Desde os inícios
do primeiro monaquismo até às «novas comunidades» de hoje, cada forma de vida
consagrada nasceu da chamada do Espírito para seguir a Cristo segundo o
ensinamento do Evangelho (cf. Perfectaecaritatis, 2). Para os Fundadores e as
Fundadoras, a regra em absoluto foi o Evangelho; qualquer outra regra pretendia
apenas ser expressão do Evangelho e instrumento para o viver em plenitude. O
seu ideal era Cristo, aderir inteiramente a Ele podendo dizer com Paulo: «Para
mim, viver é Cristo» (Flp 1, 21); os votos tinham sentido apenas para
implementar este seu amor apaixonado.
A pergunta que
somos chamados a pôr neste Ano é se e como nos deixamos, também nós, interpelar
pelo Evangelho; se este é verdadeiramente o «vademecum» para a vida de cada dia
e para as opções que somos chamados a fazer. Isto é exigente e pede para ser
vivido com radicalismo e sinceridade. Não basta lê-lo (e no entanto a leitura e
o estudo permanecem de extrema importância), nem basta meditá-lo (e fazemo-lo
com alegria todos os dias); Jesus pede-nos para pô-lo em prática, para viver as
suas palavras.
Jesus – devemos
perguntar-nos ainda – é verdadeiramente o primeiro e o único amor, como nos
propusemos quando professamos os nossos votos? Só em caso afirmativo, poderemos
– como é nosso dever – amar verdadeira e misericordiosamente cada pessoa que
encontramos no nosso caminho, porque teremos aprendido d’Ele o que é o amor e
como amar: saberemos amar, porque teremos o seu próprio coração.
Os nossos Fundadores
e Fundadoras sentiram em si mesmos a compaixão que se apoderava de Jesus quando
via as multidões como ovelhas extraviadas sem pastor. Tal como Jesus, movido
por tal compaixão, comunicou a sua palavra, curou os doentes, deu o pão para
comer, ofereceu a sua própria vida, assim também os Fundadores se puseram ao
serviço da humanidade, à qual eram enviados pelo Espírito servindo-a dos mais
diversos modos: com a intercessão, a pregação do Evangelho, a catequese, a
instrução, o serviço aos pobres, aos doentes… A inventiva da caridade não
conheceu limites e soube abrir inúmeras estradas para levar o sopro da
Evangelho às culturas e aos sectores sociais mais diversos.
Ao recordar as
origens, há que evidenciar mais um componente do projeto de vida consagrada. Os
Fundadores e as Fundadoras viviam fascinados pela unidade dos Doze ao redor de
Jesus, pela comunhão que caracterizava a primeira comunidade de Jerusalém. Cada
um deles, ao dar vida à sua comunidade, pretendeu reproduzir tais modelos
evangélicos, formar um só coração e uma só alma, gozar da presença do Senhor (cf.
Perfectaecaritatis, 15).
Viver com paixão o
presente significa tornar-se «peritos em comunhão», ou seja, «testemunhas e
artífices daquele “projeto de comunhão” que está no vértice da história do
homem segundo Deus»[2]. Numa sociedade marcada pelo conflito, a convivência
difícil entre culturas diversas, a prepotência sobre os mais fracos, as
desigualdades, somos chamados a oferecer um modelo concreto de comunidade que,
mediante o reconhecimento da dignidade de cada pessoa e a partilha do dom que
cada um é portador, permita viver relações fraternas.
Por isso, sede
mulheres e homens de comunhão, marcai presença com coragem onde há disparidades
e tensões, e sede sinal credível da presença do Espírito que infunde nos
corações a paixão por todos serem um só (cf. Jo 17, 21). Vivei a mística do
encontro: a capacidade de ouvir atentamente as outras pessoas; «a capacidade de
procurar juntos o caminho, o método»[3], deixando-vos iluminar pelo
relacionamento de amor que se verifica entre as três Pessoas divinas (cf. 1 Jo
4, 8) e tomando-o como modelo de toda a relação interpessoal.
3. Abraçar com
esperança o futuro é o terceiro objetivo que se pretende neste Ano. Conhecemos
as dificuldades que enfrenta a vida consagrada nas suas diversas formas: a
diminuição das vocações e o envelhecimento, especialmente no mundo ocidental,
os problemas económicos na sequência da grave crise financeira mundial, os
desafios da internacionalidade e da globalização, as insídias do relativismo, a
marginalização e a irrelevância social… É precisamente nestas incertezas, que
partilhamos com muitos dos nossos contemporâneos, que se atua a nossa
esperança, fruto da fé no Senhor da história que continua a repetir-nos: «Não
terás medo (…), pois Eu estou contigo» (Jr 1, 8).
A esperança de que
falamos não se funda sobre números ou sobre as obras, mas sobre Aquele em quem
pusemos a nossa confiança (cf. 2 Tm 1, 12) e para quem «nada é impossível» (Lc
1, 37). Esta é a esperança que não desilude e que permitirá à vida consagrada
continuar a escrever uma grande história no futuro, para o qual se deve voltar
o nosso olhar, cientes de que é para ele que nos impele o Espírito Santo a fim
de continuar a fazer, conosco, grandes coisas.
Não cedais à
tentação dos números e da eficiência, e menos ainda à tentação de confiar nas
vossas próprias forças. Com atenta vigilância, perscrutai os horizontes da
vossa vida e do momento atual. Repito-vos com Bento XVI: «Não vos unais aos
profetas de desventura, que proclamam o fim ou a insensatez da vida consagrada
na Igreja dos nossos dias; pelo contrário, revesti-vos de Jesus Cristo e
muni-vos das armas da luz – como exorta São Paulo (cf. Rm 13, 11-14) –,
permanecendo acordados e vigilantes»[4]. Prossigamos, retomando sempre o nosso
caminho com confiança no Senhor.
Dirijo-me
sobretudo a vós, jovens. Sois o presente, porque viveis já ativamente dentro
dos vossos Institutos, prestando uma decisiva contribuição com o frescor e a
generosidade da vossa opção. Ao mesmo tempo sois o seu futuro, porque em breve
sereis chamados a tomar nas vossas mãos a liderança da animação, da formação,
do serviço, da missão. Este Ano há-de ver-vos protagonistas no diálogo com a
geração que vai à vossa frente; podereis, em comunhão fraterna, enriquecer-vos
com a sua experiência e sabedoria e, ao mesmo tempo, repropor-lhe o ideal que
conheceu no seu início, oferecer o ímpeto e o frescor do vosso entusiasmo, a
fim de elaborardes em conjunto novos modos de viver o Evangelho e respostas
cada vez mais adequadas às exigências de testemunho e de anúncio.
Fico feliz em
saber que ides ter ocasiões para vos encontrardes entre vós, jovens dos
diferentes Institutos. Que o encontro se torne caminho habitual de comunhão, de
apoio mútuo, de unidade.
– II –
As
expectativas para o Ano da Vida Consagrada
Que espero eu, em
particular, deste Ano de graça da vida consagrada?
1. Que seja sempre
verdade aquilo que eu disse uma vez: «Onde estão os religiosos, há alegria».
Somos chamados a experimentar e mostrar que Deus é capaz de preencher o nosso
coração e fazer-nos felizes sem necessidade de procurar noutro lugar a nossa
felicidade, que a autêntica fraternidade vivida nas nossas comunidades alimenta
a nossa alegria, que a nossa entrega total ao serviço da Igreja, das famílias,
dos jovens, dos idosos, dos pobres nos realiza como pessoas e dá plenitude à
nossa vida.
Que entre nós não
se vejam rostos tristes, pessoas desgostosas e insatisfeitas, porque «um
seguimento triste é um triste seguimento». Também nós, como todos os outros
homens e mulheres, sentimos dificuldades, noites do espírito, desilusões,
doenças, declínio das forças devido à velhice. Mas, nisto mesmo, deveremos
encontrar a «perfeita alegria», aprender a reconhecer o rosto de Cristo, que em
tudo Se fez semelhante a nós e, consequentemente, sentir a alegria de saber que
somos semelhantes a Ele que, por nosso amor, não Se recusou a sofrer a cruz.
Numa sociedade que
ostenta o culto da eficiência, da saúde, do sucesso e que marginaliza os pobres
e exclui os «perdedores», podemos testemunhar, através da nossa vida, a verdade
destas palavras da Escritura: «Quando sou fraco, então é que sou forte» (2 Cor
12, 10).
Bem podemos
aplicar à vida consagrada aquilo que escrevi na Exortação apostólica
Evangeliigaudium, citando uma homilia de Bento XVI: «A Igreja não cresce por
proselitismo, mas por atração» (n. 14). É verdade! A vida consagrada não
cresce, se organizarmos belas campanhas vocacionais, mas se as jovens e os
jovens que nos encontram se sentirem atraídos por nós, se nos virem homens e
mulheres felizes! De igual forma, a eficácia apostólica da vida consagrada não
depende da eficiência e da força dos seus meios. É a vossa vida que deve falar,
uma vida da qual transparece a alegria e a beleza de viver o Evangelho e seguir
a Cristo.
O que disse aos
Movimentos eclesiais, na passada Vigília de Pentecostes, repito-o aqui para vós
também: «Fundamentalmente, o valor da Igreja é viver o Evangelho e dar
testemunho da nossa fé. A Igreja é sal da terra, é luz do mundo; é chamada a
tornar presente na sociedade o fermento do Reino de Deus; e fá-lo, antes de
mais nada, por meio do seu testemunho: o testemunho do amor fraterno, da
solidariedade, da partilha» (18 de Maio de 2013).
2. Espero que
«desperteis o mundo», porque a nota característica da vida consagrada é a
profecia. Como disse aos Superiores Gerais, «a radicalidade evangélica não é
própria só dos religiosos: é pedida a todos.Mas os religiosos seguem o Senhor
de uma maneira especial, de modo profético». Esta é a prioridade que agora se
requer: «ser profetas que testemunham como viveu Jesus nesta terra (…).Um
religioso não deve jamais renunciar à profecia» (29 de Novembro de 2013).
O profeta recebe
de Deus a capacidade de perscrutar a história em que vive e interpretar os
acontecimentos: é como uma sentinela que vigia durante a noite e sabe quando
chega a aurora (cf. Is 21, 11-12). Conhece a Deus e conhece os homens e as
mulheres, seus irmãos e irmãs. É capaz de discernimento e também de denunciar o
mal do pecado e as injustiças, porque é livre, não deve responder a outros
senhores que não seja a Deus, não tem outros interesses além dos de Deus.
Habitualmente o profeta está da parte dos pobres e indefesos, porque sabe que o
próprio Deus está da parte deles.
Deste modo espero
que saibais, sem vos perder em vãs «utopias», criar «outros lugares» onde se
viva a lógica evangélica do dom, da fraternidade, do acolhimento da
diversidade, do amor recíproco. Mosteiros, comunidades, centros de
espiritualidade, cidadelas, escolas, hospitais, casas-família e todos aqueles
lugares que a caridade e a criatividade carismática fizeram nascer – e ainda
farão nascer, com nova criatividade –, devem tornar-se cada vez mais o fermento
para uma sociedade inspirada no Evangelho, a «cidade sobre o monte» que
manifesta a verdade e a força das palavras de Jesus.
Às vezes, como
aconteceu com Elias e Jonas, pode vir a tentação de fugir, de subtrair-se ao
dever de profeta, porque é demasiado exigente, porque se está cansado,
desiludido com os resultados. Mas o profeta sabe que nunca está sozinho. Também
a nós, como fez a Jeremias, Deus assegura: «Não terás medo (…), pois Eu estou
contigo para te livrar» (Jr 1, 8).
3. Os religiosos e
as religiosas, como todas as outras pessoas consagradas, são chamados a ser
«peritos em comunhão». Assim, espero que a «espiritualidade da comunhão»,
indicada por São João Paulo II, se torne realidade e que vós estejais na
vanguarda abraçando «o grande desafio que nos espera» neste novo milénio:
«fazer da Igreja a casa e a escola da comunhão»[5]. Estou certo de que, neste
Ano, trabalhareis a sério para que o ideal de fraternidade perseguido pelos
Fundadores e pelas Fundadoras cresça, nos mais diversos níveis, como que em
círculos concêntricos.
A comunhão é
praticada, antes de mais nada, dentro das respectivas comunidades do Instituto.
A este respeito, convido-vos a reler frequentes intervenções minhas onde não me
canso de repetir que críticas, bisbilhotices, invejas, ciúmes, antagonismos são
comportamentos que não têm direito de habitar nas nossas casas. Mas, posta esta
premissa, o caminho da caridade que se abre diante de nós é quase infinito,
porque se trata de buscar a aceitação e a solicitude recíprocas, praticar a
comunhão dos bens materiais e espirituais, a correcção fraterna, o respeito
pelas pessoas mais frágeis… É «a “mística” de viver juntos» que faz da nossa
vida «uma peregrinação sagrada»[6]. Tendo em conta que as nossas comunidades se
tornam cada vez mais internacionais, devemos questionar-nos também sobre o
relacionamento entre as pessoas de culturas diferentes. Como consentir a cada
um de se exprimir, ser acolhido com os seus dons específicos, tornar-se
plenamente co-responsável?
Além disso, espero
que cresça a comunhão entre os membros dos diferentes Institutos. Não poderia
este Ano ser ocasião de sair, com maior coragem, das fronteiras do próprio
Instituto para se elaborar em conjunto, a nível local e global, projectos
comuns de formação, de evangelização, de intervenções sociais? Poder-se-á assim
oferecer, de forma mais eficaz, um real testemunho profético. A comunhão e o
encontro entre diferentes carismas e vocações é um caminho de esperança.
Ninguém constrói o futuro isolando-se, nem contando apenas com as próprias
forças, mas reconhecendo-se na verdade de uma comunhão que sempre se abre ao
encontro, ao diálogo, à escuta, à ajuda mútua e nos preserva da doença da
auto-referencialidade.
Ao mesmo tempo, a
vida consagrada é chamada a procurar uma sinergia sincera entre todas as
vocações na Igreja, a começar pelos presbíteros e os leigos, a fim de «fazer
crescer a espiritualidade da comunhão, primeiro no seu seio e depois na própria
comunidade eclesial e para além dos seus confins»[7].
4. Espero ainda de
vós o mesmo que peço a todos os membros da Igreja: sair de si mesmo para ir às
periferias existenciais. «Ide pelo mundo inteiro» foi a última palavra que
Jesus dirigiu aos seus e que continua hoje a dirigir a todos nós (cf. Mc 16,
15). A humanidade inteira aguarda: pessoas que perderam toda a esperança,
famílias em dificuldade, crianças abandonadas, jovens a quem está vedado
qualquer futuro, doentes e idosos abandonados, ricos saciados de bens mas com o
vazio no coração, homens e mulheres à procura do sentido da vida, sedentos do
divino…
Não vos fecheis em
vós mesmos, não vos deixeis asfixiar por pequenas brigas de casa, não fiqueis
prisioneiros dos vossos problemas. Estes resolver-se-ão se sairdes para ajudar
os outros a resolverem os seus problemas, anunciando-lhes a Boa Nova.
Encontrareis a vida dando a vida, a esperança dando esperança, o amor amando.
De vós espero
gestos concretos de acolhimento dos refugiados, de solidariedade com os pobres,
de criatividade na catequese, no anúncio do Evangelho, na iniciação à vida de
oração. Consequentemente almejo a racionalização das estruturas, a reutilização
das grandes casas em favor de obras mais cônsonas às exigências actuais da
evangelização e da caridade, a adaptação das obras às novas necessidades.
5. Espero que cada
forma de vida consagrada se interrogue sobre o que pedem Deus e a humanidade de
hoje.
Os mosteiros e os
grupos de orientação contemplativa poderiam encontrar-se entre si ou
conectar-se nos mais variados modos, para trocarem entre si as experiências
sobre a vida de oração, o modo como crescer na comunhão com toda a Igreja, como
apoiar os cristãos perseguidos, como acolher e acompanhar as pessoas que andam
à procura duma vida espiritual mais intensa ou necessitam de um apoio moral ou
material.
O mesmo poderão
fazer os Institutos caritativos, dedicados ao ensino, à promoção da cultura,
aqueles que estão lançados no anúncio do Evangelho ou desempenham particulares
serviços pastorais, os Institutos Seculares com a sua presença capilar nas
estruturas sociais. A inventiva do Espírito gerou modos de vida e obras tão
diferentes que não podemos facilmente catalogá-los ou inseri-los em esquemas
pré-fabricados. Por isso, não consigo referir cada uma das inúmeras formas
carismáticas. Mas, neste Ano, ninguém deveria subtrair-se a um sério controle
sobre a sua presença na vida da Igreja e sobre o seu modo de responder às
incessantes e novas solicitações que se levantam ao nosso redor, ao clamor dos
pobres.
Só com esta
atenção às necessidades do mundo e na docilidade aos impulsos do Espírito é que
este Ano da Vida Consagrada se tornará um autêntico kairòs, um tempo de Deus
rico de graças e de transformação.
– III –
Os
horizontes do Ano da Vida Consagrada
1. Com esta minha
carta, além das pessoas consagradas, dirijo-me aos leigos que, com elas,
partilham ideais, espírito, missão. Alguns Institutos religiosos possuem uma
antiga tradição a tal respeito, outros uma experiência mais recente. Na
realidade, à volta de cada família religiosa, bem como das Sociedades de Vida
Apostólica e dos próprios Institutos Seculares, está presente uma família
maior, a «família carismática», englobando os vários Institutos que se
reconhecem no mesmo carisma e sobretudo os cristãos leigos que se sentem
chamados, precisamente na sua condição laical, a participar da mesma realidade
carismática.
Encorajo-vos
também a vós, leigos, a viver este Ano da Vida Consagrada como uma graça que
pode tornar-vos mais conscientes do dom recebido. Celebrai-o com toda a
«família», para crescerdes e responderdes juntos aos apelos do Espírito na
sociedade actual. Em determinadas ocasiões, quando os consagrados de vários
Institutos se reunirem uns com os outros neste Ano, procurai estar presente
também vós como expressão do único dom de Deus, a fim de conhecer as
experiências das outras famílias carismáticas, dos outros grupos de leigos e
assim vos enriquecerdes e sustentardes mutuamente.
2. O Ano da Vida
Consagrada não diz respeito apenas às pessoas consagradas, mas à Igreja
inteira. Assim dirijo-me a todo o povo cristão, para que tome cada vez maior
consciência do dom que é a presença de tantas consagradas e consagrados,
herdeiros de grandes Santos que fizeram a história do cristianismo. Que seria a
Igreja sem São Bento e São Basílio, sem Santo Agostinho e São Bernardo, sem São
Francisco e São Domingos, sem Santo Inácio de Loyola e Santa Teresa de Ávila,
sem Santa Ângela Merícia e São Vicente de Paulo? E a lista tornar-se-ia quase
infinita, até São João Bosco, a Beata Teresa de Calcutá. O Beato Paulo VI
afirmava: «Sem este sinal concreto, a caridade que anima a Igreja inteira
correria o risco de se resfriar, o paradoxo salvífico do Evangelho de se
atenuar, o “sal” da fé de se diluir num mundo em fase de secularização»
(Evangelicatestificatio, 3).
Por isso, convido
todas as comunidades cristãs a viverem este Ano, procurando antes de mais nada
agradecer ao Senhor e, reconhecidas, recordar os dons que foram recebidos, e
ainda recebemos, por meio da santidade dos Fundadores e das Fundadoras e da
fidelidade de tantos consagrados ao seu próprio carisma. A todos vos convido a
estreitar-vos ao redor das pessoas consagradas, rejubilar com elas, partilhar as
suas dificuldades, colaborar com elas, na medida do possível, para a
prossecução do seu serviço e da sua obra, que são aliás os da Igreja inteira.
Fazei-lhes sentir o carinho e o encorajamento de todo o povo cristão.
Bendigo o Senhor
pela feliz coincidência do Ano da Vida Consagrada com o Sínodo sobre a família.
Família e vida consagrada são vocações portadoras de riqueza e graça para
todos, espaços de humanização na construção de relações vitais, lugares de
evangelização. Podem-se ajudar uma à outra.
3. Com esta minha
carta, ouso dirigir-me também às pessoas consagradas e aos membros de
fraternidades e comunidades pertencentes a Igrejas de tradição diversa da
católica. O monaquismo é um património da Igreja indivisa, bem vivo até agora
quer nas Igrejas ortodoxas quer na Igreja católica. Nele bem como nas
sucessivas experiências do tempo em que a Igreja do Ocidente ainda estava
unida, se inspiram iniciativas análogas surgidas no âmbito das Comunidades
eclesiais da Reforma, tendo estas continuado a gerar no seu seio novas
expressões de comunidades fraternas e de serviço.
A Congregação para
os Institutos de Vida Consagrada e as Sociedades de Vida Apostólica tem em
programa iniciativas para fazer encontrar os membros pertencentes a
experiências de vida consagrada e fraterna das diversas Igrejas. Encorajo
calorosamente estes encontros, para que cresça o conhecimento mútuo, a estima,
a cooperação recíproca, de modo que o ecumenismo da vida consagrada sirva de
ajuda para o caminho mais amplo rumo à unidade entre todas as Igrejas.
4. Não podemos
esquecer também que o fenómeno do monaquismo e doutras expressões de
fraternidade religiosa está presente em todas as grandes religiões. Não faltam
experiências, mesmo consolidadas, de diálogo inter-monástico da Igreja católica
com algumas das grandes tradições religiosas. Faço votos de que o Ano da Vida
Consagrada seja ocasião para avaliar o caminho percorrido, sensibilizar as
pessoas consagradas neste campo, questionar-nos sobre os novos passos a dar
para um conhecimento recíproco cada vez mais profundo e uma colaboração
crescente em muitos âmbitos comuns do serviço à vida humana.
Caminhar juntos é
sempre um enriquecimento e pode abrir caminhos novos nas relações entre povos e
culturas que, neste período, aparecem carregadas de dificuldades.
5. Por fim
dirijo-me, de modo particular, aos meus irmãos no episcopado. Que este Ano seja
uma oportunidade para acolher, cordial e jubilosamente, a vida consagrada como
um capital espiritual que contribua para o bem de todo o corpo de Cristo (cf.
Lumen gentium, 43) e não só das famílias religiosas. «A vida consagrada é dom
feito à Igreja: nasce na Igreja, cresce na Igreja, está totalmente orientada
para a Igreja»[8]. Por isso, enquanto dom à Igreja, não é uma realidade isolada
ou marginal, mas pertence intimamente a ela, situa-se no próprio coração da
Igreja, como elemento decisivo da sua missão, já que exprime a natureza íntima
da vocação cristã e a tensão de toda a Igreja-Esposa para a união com o único
Esposo; portanto «está inabalavelmente ligada à sua vida e santidade» (Ibid.,
44).
Neste contexto,
convido-vos, a vós Pastores das Igrejas particulares, a uma especial solicitude
em promover nas vossas comunidades os diferentes carismas, tanto os históricos
como os novos carismas, apoiando, animando, ajudando no discernimento,
acompanhando com ternura e amor as situações de sofrimento e fraqueza em que se
possam encontrar alguns consagrados, e sobretudo esclarecendo com o vosso
ensino o povo de Deus sobre o valor da vida consagrada, de modo a fazer
resplandecer a sua beleza e santidade na Igreja.
A Maria, Virgem da
escuta e da contemplação, primeira discípula do seu amado Filho, confio este
Ano da Vida Consagrada. Para Ela, filha predilecta do Pai e revestida de todos
os dons da graça, olhamos como modelo insuperável de seguimento no amor a Deus
e no serviço do próximo.
Agradecido desde
já, com todos vós, pelos dons de graça e de luz com que o Senhor quiser
enriquecer-nos, acompanho-vos a todos com a Bênção Apostólica.
Vaticano, 21 de
Novembro – Festa da Apresentação de Maria – do ano 2014.
Francisco
[1] Carta ap. Os
caminhos do Evangelho, aos Religiosos e às Religiosas da América Latina, por
ocasião do V centenário da Evangelização do Novo Mundo (29 de Junho de 1990),
26: L’Osservatore Romano (ed. portuguesa de 29/VII /1990), 360.
[2] Congregação
para os Institutos de Vida Consagrada e as Sociedades de Vida Apostólica, Doc.
Religiosos e promoção humana (12 de Agosto de 1980), 24: L’Osservatore Romano
(ed. portuguesa de 18/I/1981), 31.
[3] Discurso aos
reitores e estudantes dos Pontifícios Colégios e Internatos de Roma (12 de Maio
de 2014): L’Osservatore Romano (ed. portuguesa de 22/V/2014), 11.
[4] Homilia na
Festa da Apresentação de Jesus no Templo (2 de Fevereiro de 2013):
L’Osservatore Romano (ed. portuguesa de 10/II/2013), 11.
[5] Carta ap. Novo
millennioineunte (6 de Janeiro de 2001), 43: L’Osservatore Romano (ed.
portuguesa de 13/I/2001), 25.
[6] Carta ap.
Evangeliigaudium (24 de Novembro de 2013), 87.
[7] João Paulo II,
Exort. ap. pós-sinodal Vita consecrata (25 de Março de 1996), 51: L’Osservatore
Romano (ed. portuguesa de 30/III/1996), 149.
[8] D. Jorge Mário
Bergoglio, Intervenção no Sínodo sobre a vida consagrada e a sua missão na
Igreja e no mundo (XVI congregação geral, 13 de Outubro de 1994).
Fonte: Vatican
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